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Delegada Lucivânia Vidal enaltece os 12 anos da Lei Maria da Penha

Em entrevista ao Viagora, a Delegada declarou que trabalha não só com a questão da violência doméstica, mas também com crianças vítimas dessa violência, travestis e transexuais.

No último dia 7, a Lei Maria da Penha (11.340/2006), completou 12 anos de existência. A lei em questão, mudou a forma como se tratava a violência doméstica no país, quando propôs medidas para punir os agressores e proteger as mulheres vítimas de violência.

Ao longo desses anos, existe uma luta intensa no que diz respeito à aplicabilidade da Lei, bem como o encorajameto as mulheres vítimas da violência doméstica. Incluindo também o papel da sociedade na exigência de denunciar os agressores fazendo que se cumpra a Lei.

De acordo com pesquisas, o Piauí é um dos estados que mais teve casos de feminicídio no Brasil, só em 2017 foram registrados 23 crimes.

Em entrevista ao Viagora, a Delegada Lucivânia Vidal da Delegacia de Gênero em Teresina, que trabalha não só com a questão da violência doméstica, mas também com crianças vítimas dessa violência, travestis e transexuais, dentre outros assuntos, falou sobre os avanços da Lei Maria da Penha, e enfatizou que ainda falta coragem para mulher denunciar seu agressor.

  • Foto: Josefa Geovana / ViagoraDelegada Lucivânia Vidal.Delegada Lucivânia Vidal.

Viagora- Delegada, já fazem 12 anos da Lei Maria da Penha e o Brasil é o 4º país no ranking de violência contra a mulher. Qual a sua análise sobre isso? Nós temos realmente o que comemorar?

Lucivânia Vidal - Temos sim o que comemorar. Em um passado próximo, antes da Lei Maria da Penha, as atrocidades cometidas contra a mulher, especificamente falando da violência doméstica, eram gritantes. Por exemplo, num passado próximo: um homem violentava uma mulher. Se o crime era de menor potencial ofensivo, ou seja, a pena era até dois anos (injúria, lesão corporal, ameaça, difamação) o crime era resolvido num juizado especial. O homem saia de lá pagando uma cesta básica, ou seja, ele saia sorrindo. A mulher era vítima pela segunda vez, agora pela instituição, não da instituição do juizado, mas da legislação. O juiz só podia fazer isso porque não havia outra lei para se aplicar. Com a Lei Maria da Penha, tudo veio, tudo mudou. Hoje em dia, apesar do crime ser de menor potencial ofensivo, não se aceita mais um termo circunstancial de ocorrência, tudo vira-se inquérito. O que significa isso? Agora vai para uma Vara. A pena já não é mais uma cesta básica. Fora a medida protetiva, que foi uma inovação muito grande que a Lei Maria da Penha trouxe. E o que significa a medida protetiva? Muitas vezes, a mulher pensa “Eu vou na delegacia, eu falo com a delegada e eu saio com um papel.” O papel é o B.O. A delegada pede pela medida protetiva. A mulher acha que, talvez pela falta de credibilidade, que não irá acontecer nada. No entanto, essa medida protetiva também tem suas consequências. O juiz, quando defere a medida, aplica as condições impostas por ela, sendo uma delas o afastamento do agressor. Não somente da vítima, mas de seus familiares e testemunhas. Porque com aquela história “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, às vezes as testemunhas temem pela represália que o agressor possa fazer com eles. Muitas vezes são vizinhos, amigos, pessoas próximas que veem, percebem e vivenciaram aquela agressão.

Viagora - Na sua opinião, precisa de alguma alteração na Lei Maria da Penha para ela ser mais incisiva?

Lucivânia Vidal - Olha, a alteração é sempre bem-vinda. Com o passar do tempo, a gente vai lapidando a lei. Porque as mudanças vão existindo. Nós temos um grupo também das transexuais, onde há uma discussão se essas transexuais também são consideradas vítimas e assim acolhidas por essa lei. Elas levantam essa bandeira de luta.

  • Foto: Josefa Geovana / ViagoraDelegada Lucivânia Vidal.Delegada Lucivânia Vidal.

Viagora- Apesar desta evolução com a Lei, ainda falta coragem da mulher para denunciar?

Lucivânia Vidal- Falta sim, muita coragem. E não falo em sentido de ela ser culpada. Nós temos que ver o plano de fundo disso. Há uma ameaça, há uma família que às vezes não apoia. Há um medo, há uma vergonha. Veja bem, eu, na minha experiência como delegada, vejo que uma mulher que sofre injúria numa briga de trânsito vai na delegacia, ela denuncia aquele fato, ela pede justiça, ela vai com força. No entanto, quando há o mesmo crime de injúria, seja pelo companheiro, ou por uma outra pessoa próxima, um pai, um primo, um irmão, uma irmã, quando há um vínculo, aquela mulher fica fragilizada. Isso pelo mesmo crime. Ela foi injuriada, xingada, a honra dela foi atingida. Nós temos que ver que a violência doméstica, além do crime e da legislação, há também um viés do sentimento, do lado emotivo.

Viagora - O Número de denúncias aumentou no Piauí? Quais são os dados atuais?

Lucivânia Vidal- O número de denúncias aumentou demais. Eu trabalho na Delegacia de Gênero e nós já temos mais de 300 denúncias. E isso somente contando desde quando o plantão 24h foi instalado em março. Mais de 300 denúncias e flagrantes. Há também prisões em flagrante. Então a tendência é aumentar. Uma imagem que se passa quando a mídia divulga as estatísticas de feminicídio é que mesmo havendo a legislação, o crime está aumentando. Mas não é assim. O que está aumentando é a conscientização. Aquele crime que ocorria entre quatro paredes, voltando a história de que “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, isso já acabou. Hoje em dia, se a mulher pede socorro, um vizinho liga. Ou seja, está havendo sim a conscientização. Com essa conscientização, as denúncias, os procedimentos policiais aumentam, junto com as estatísticas.

  • Foto: Josefa Geovana / ViagoraDelegada Lucivânia Vidal.Delegada Lucivânia Vidal.

Viagora- O Piauí tem uma das maiores taxas de feminicídio, quais seriam outros tipos de mecanismos de defesa de proteção as mulheres vítimas de violência?

Lucivânia Vidal - O feminicídio é o fim de uma violência doméstica que já vinha ocorrendo reiteradas vezes. O mecanismo maior é, repito, a conscientização, a denúncia. A mulher não deve aceitar nenhum tipo de relacionamento abusivo. Por exemplo: “ele só me deu um empurrão”, “ele me xingou porque estava embriagado”. O alcoolismo impera muito no perfil do agressor. O alcoolismo e a droga. Principalmente o alcoolismo. Então essa banalização de “pequenas” agressões, digo pequenas entre aspas, porque agressão é agressão, mas essas “pequenas” agressões consideradas assim pelas vítimas, elas sem querer vão deixando isso transcorrer e o relacionamento abusivo vai aumentando e aumentando até chegar no nível do feminicídio. Raramente se vê um feminicídio que ocorreu na primeira agressão. Sempre é uma coisa resultante de reiteradas vezes. O que a mulher deve fazer é não aceitar. Não aceitar desde a primeira agressão. A Delegacia da Mulher é vista ainda como um tabu perante a mulher, que às vezes não denuncia por várias razões. Se ela não quer abrir um procedimento policial, ela deve terminar o relacionamento, porque o caminho que se segue acaba resultando no feminicídio.

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