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Caso Emídio - Preso foi torturado com saco plástico, denuncia advogado

Defesa alega irregularidades e pede anulação de mandados de prisão

A morte do ex-vereador Emídio Reis foi acertada na fazenda Canas, de propriedade do prefeito de São Julião, Francisco José de Sousa, o Zé de Neci (PT). O gestor sabia do plano para eliminar seu principal adversário político, mas não teve participação direta no crime. Os bastidores da execução do político foram revelados pelo encanador Joaquim Pereira Neto, em depoimento ao Greco (Grupo de Repressão ao Crime Organizado).

Considero testemunha chave do inquérito policial, Joaquim está preso em uma cela do Quartel do Corpo de Bombeiros de Teresina - ele é acusado de participação no crime. Por ter delatado a quadrilha acusada do assassinato de Reis, o homem de 43 anos teme pela própria vida.

Pistoleiro foi contratado por telefone

Segundo consta no depoimento, a morte de Emídio Reis foi decretada no dia 23 de janeiro deste ano, quando o vice-prefeito de São Julião, José Francimar Pereira, contratou o pistoleiro Antônio Virgílio para pôr o plano em ação. O acerto final aconteceu via telefone na fazenda Canas, na presença de Zé de Neci e Joaquim Pereira.

Joaquim assumiu, a partir daquele instante, o papel de intermediário entre pistoleiros e mandantes. Dali a oito dias, em 31 de janeiro, ele recebe um telefone de Virgílio, que avisou estar na "cola" do homem e que o "serviço" seria feito naquele dia. Na manhã do dia seguinte, já em 1º de fevereiro, o pistoleiro mantém novo contato, informando que "o serviço estava pronto" e que aguardava o pagamento acertado: R$ 15 mil.

Pagamento em dinheiro vivo

A primeira atitude de Joaquim, segundo consta no depoimento ao Greco, foi ligar para o vice-prefeito Francimar. Seguindo orientações, o encanador foi até a residência do político, no povoado Mandacaru, quando informou da execução de Emídio e da cobrança feita pelo pistoleiro.

Para cumprir sua parte no trato, Francimar teria entregue dois cheques para Joaquim, um no valor de R$ 10 mil e outro de R$ 5 mil. O homem de confiança viajou até Alagoinha do Piauí para quitar a dívida com Virgílio. Entretanto, o acusado descartou receber o pagamento em cheques. Exigiu dinheiro vivo.

Por conta disso, Joaquim e Virgílio foram até a cidade de Picos. O primeiro entrou na agência bancária, descontou os cheques e entregou os R$ 15 mil ao acusado de assassinar Emídio. "O dinheiro foi colocado pelo próprio caixa do banco em um envelope amarelo", detalhou no depoimento.

O prefeito sabia

O prefeito Zé Neci, de São Julião, tinha conhecimento do plano para assassinar Emídio Reis. É o que sustenta Joaquim Pereira Neto. O gestor estava presente na fazenda Canas, quando Francimar negociou a morte do adversário por telefone.

Entretanto, o acusado não assegura a participação direta do prefeito no crime. Diz o trecho do depoimento: "Perguntado ao interrogado [Joaquim] se tem conhecimento de que o prefeito Francisco José de Sousa, mais conhecido por Zé Neci, tinha conhecimento do plano para matar Emídio Reis? Respondeu que não tem conhecimento a participação do prefeito no plano para executar Emídio, mas informa que Francimar disse o interrogado que Zé Neci sabia do plano para executar a vítima."

Preso confessou sob tortura, denuncia advogado

O advogado Joaquim Cipriano sustenta que Joaquim Pereira Neto confessou detalhes do plano de morte de Emídio Reis sob tortura. Ele sustenta que o cliente foi trancado em uma sala com oito policiais e sufocado com um saco plástico. O homem também teria sido espancado.

"Botavam saco na cabeça e só tiraram quando faltava o ar", afirma Cipriano. A tortura aconteceu, conforme a denúncia, na cidade de Jaicós, logo após a prisão de Joaquim Pereira em São Julião, e na sede do Greco, em Teresina. O caso foi levado à Comissão de Direitos Humanos da OAB-PI. A defesa pede que o caso seja investigado.

"Conseguir confissões dessa forma é muito fácil. Sob tortura você diz o que fez e o que não fez", protesta o advogado contratado para defender Joaquim Pereira, o vice-prefeito Francimar Pereira e Antônio Sá, mais conhecido como Antônio Virgílio. Todos foram presos pela Operação Mandacaru acusados de participação na morte de Emídio Reis.

A defesa já deu entrada em um habeas corpus pedindo a anulação das prisões temporárias, consideradas ilegais pelos advogados. Segundo apontam as investigações, Emídio Reis foi morto na fazenda Lajedo Preto, zona rural de Pio IX, e as ordens de prisão partiram da Comarca de Picos. Além disso, a prisão do vice-prefeito de São Julião, Francimar Pereira, só poderia ser decretada pelo Tribunal de Justiça, pois o acusado tem foro privilegiado.

Prefeito admite acordo para dividir mandato, mas nega participação em crime

A divisão do mandato de prefeito faz parte da política de São Julião. Desde a década de 60 que os chefes do Executivo local se revezam espontaneamente na administração do município. Funciona assim: o prefeito eleito fica no cargo por dois anos e se afasta, abrindo caminho para o vice assumir o comando da prefeitura.

O atual prefeito, Francisco José de Sousa, o Zé de Neci (PT), admite ter acordo semelhante com seu vice, Francimar Pereira (PP).

"Acordos políticos existem. É cultural na política de São Julião isso acontecer. Não vou negar que tenho um acordo político, como o Emídio tinha com o [candidato a] vice dele; como tinha nos mandatos passados todos. Por exemplo, o pai do Emídio, Nicomedes, quando morreu estava na gestão como prefeito, mas era vice", assegurou o petista em entrevista à TV Cidade Verde.

Entretanto, o gestor nega que o medo de perder o cargo tenha motivado o assassinato do seu principal adversário, o ex-vereador Emídio Reis. As investigações da Polícia Civil apontam que o político foi morto porque ameaçava, judicialmente, a segurança do mandato de Zé Neci e Francimar.

Lembrando já ter enfrentado outras três cassações - uma como vereador e duas como prefeito -, Zé Neci diz não ter motivos para desejar a morte do adversário.

O petista também reage à possibilidade de estar envolvido no crime. "Sei do sofrimento da família, mas é difícil pra gente ser acusado de algo que a gente tem certeza e convicção que não tem nenhuma participação", disse.

Acordo é ‘imoral" e pode ser interpretado como ato de improbidade

O acordo entre Zé Neci e Francimar para dividir o mandato de prefeito em São Julião pode até ser "imoral", mas, na esfera eleitoral, não se configura como crime. Quem afirma é o procurador eleitoral Alexandre Assunção e Silva, do Ministério Público Federal.

"Dois anos após as eleições, não cabe mais nenhuma ação eleitoral", explica o procurador.

O caso, entretanto, pode receber outras interpretações jurídicas. O Ministério Público Estadual, por exemplo, pode avaliar se o acordo para divisão do mandato não fere um dos princípios da administração pública: o da moralidade.

"Dependendo de como ocorreu o acordo, pode ou não ser interpretado como um ato de improbidade. Compete ao promotor da Comarca em questão investigar", explica Alexandre Assunção e Silva.

Entenda o caso


Emídio Reis desapareceu no dia 31 de janeiro deste ano. Executado com dois tiros, foi enterrado em uma cova rasa cavada em meio a um matagal. Um vaqueiro achou o corpo por acaso quatro dias depois.

Exames feitos do Instituto Médico Legal (IML) de Teresina apontam que ele recebeu um tiro no joelho e outro na nuca. Os legistas também encontraram terra nas vias respiratórias, indicativo que a vítima pode ter sido sepultada ainda com vida.

Disputa política. Essa foi a causa da execução do ex-vereador. Ele ameaçava a estabilidade política e financeira da organização liderada por Francimar Pereira.
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